Baldios vs Herdades

Os baldios no norte de Portugal são terrenos comunitários tradicionalmente geridos pelas comunidades locais. Eles têm uma origem histórica antiga, enraizada na organização agrária das populações rurais, e desempenham um papel importante na economia, na cultura e na preservação ambiental das regiões onde estão inseridos.

O que são os Baldios?

Os baldios são terrenos cuja propriedade é formalmente do Estado ou das comunidades locais, mas cujo uso e gestão pertencem às comunidades rurais que deles usufruem. Estes terrenos, muitas vezes localizados em áreas de montanha ou florestais, são utilizados coletivamente para atividades como:

  • Pastagem de gado;
  • Apanha de lenha e outros recursos florestais;
  • Agricultura de subsistência;
  • Produção de madeira ou exploração florestal;
  • Atividades de lazer ou turismo rural, em casos mais recentes.

Embora sejam geridos coletivamente, os baldios não são de “uso livre” para qualquer pessoa; o direito de usufruto é reservado à comunidade que os administra.


Como se organizam os Baldios?

A organização dos baldios baseia-se em princípios de gestão comunitária e autossustentável. A legislação portuguesa, nomeadamente o Regime Jurídico dos Baldios (Lei n.º 75/2017), regula a sua gestão, assegurando que os interesses das comunidades locais sejam respeitados.

  1. Órgãos de Gestão: Os baldios são administrados por entidades locais chamadas Assembleias de Compartes. Estas assembleias são compostas pelos membros da comunidade que têm direito ao uso dos baldios, conhecidos como compartes. Normalmente, os compartes são os habitantes de freguesias ou localidades próximas ao baldio.
  2. Gestão Comunitária:
    • As assembleias de compartes decidem sobre o uso e a exploração dos recursos do baldio.
    • Podem eleger uma Comissão de Baldios para gerir as atividades diárias, realizar projetos e assegurar o cumprimento das decisões da assembleia.
    • A gestão pode incluir contratos com empresas externas para exploração florestal, com a condição de que os lucros retornem à comunidade.
  3. Repartição de Benefícios: Os rendimentos obtidos com a exploração do baldio (por exemplo, a venda de madeira ou o arrendamento para atividades turísticas) são, geralmente, reinvestidos em infraestruturas locais, projetos de desenvolvimento comunitário ou repartidos entre os compartes.

Desafios e Importância

Desafios:

  • Conflitos de uso: Divergências entre membros da comunidade ou entre interesses locais e externos.
  • Pressão urbana: Algumas áreas de baldios enfrentam pressão para conversão em terrenos privados ou para projetos de desenvolvimento urbano.
  • Incêndios florestais: Os baldios em áreas montanhosas e florestais são vulneráveis a incêndios, o que exige planos de gestão florestal cuidadosos.

Importância:

  • Cultural e social: Os baldios promovem a coesão social ao reforçar a colaboração comunitária.
  • Ecológica: A gestão sustentável dos baldios contribui para a preservação da biodiversidade e dos ecossistemas.
  • Econômica: São uma fonte de rendimento para as comunidades rurais, especialmente em áreas menos favorecidas.
  • Os baldios no norte de Portugal e as herdades no sul de Portugal são formas distintas de uso e gestão da terra, refletindo diferenças históricas, culturais, ecológicas e económicas entre as regiões. A seguir estão as principais diferenças entre os dois:

1. Propriedade

  • Baldios (Norte de Portugal):
    • São terras de uso comunitário, tradicionalmente geridas por uma comunidade local.
    • A propriedade formal pode ser do Estado ou das comunidades, mas os direitos de usufruto pertencem à população local que os utiliza (os compartes).
    • Não são terrenos privados e não podem ser comprados ou vendidos individualmente.
  • Herdades (Sul de Portugal):
    • São propriedades privadas que, na maioria das vezes, pertencem a um único proprietário ou a uma família.
    • Podem ser compradas, vendidas ou herdadas.
    • Têm uma organização baseada em propriedade individual, não comunitária.

2. Uso da Terra

  • Baldios (Norte):
    • Utilizados de forma comunitária para fins como pastoreio, recolha de lenha, exploração florestal, apicultura e, em alguns casos, turismo rural.
    • Localizados frequentemente em áreas montanhosas ou florestais com menor aptidão agrícola.
    • O foco é geralmente a subsistência e o benefício coletivo.
  • Herdades (Sul):
    • Geralmente destinadas à agricultura extensiva, pecuária (como criação de gado bovino, ovino ou suínos) e à produção de cortiça (montado de sobro e azinho).
    • Podem incluir áreas de cultivo de cereais, olivais, vinhas ou sistemas agroflorestais.
    • São exploradas com objetivos económicos e muitas vezes em regime empresarial.

3. Gestão

  • Baldios (Norte):
    • Geridos por Assembleias de Compartes, compostas por membros da comunidade local.
    • As decisões são tomadas coletivamente, e os benefícios são divididos ou reinvestidos em prol da comunidade.
    • Seguem um modelo cooperativo e participativo.
  • Herdades (Sul):
    • Geridas por proprietários individuais ou empresas agrícolas.
    • O proprietário tem total autonomia para decidir como gerir os recursos da propriedade.
    • O objetivo principal é o lucro ou o sustento da família proprietária.

4. Dimensão e Estrutura

  • Baldios (Norte):
    • Geralmente têm áreas menores, com terrenos muitas vezes irregulares e acidentados.
    • Predominam em regiões de montanha ou floresta, como o Minho, Trás-os-Montes e o Douro.
  • Herdades (Sul):
    • Tendem a ser propriedades de grande dimensão, algumas com centenas ou milhares de hectares.
    • Localizam-se em regiões mais planas ou ligeiramente onduladas, como o Alentejo e parte do Algarve.

5. Contexto Histórico

  • Baldios (Norte):
    • Têm origem na Idade Média, como terras comuns usadas pelas comunidades locais para sobrevivência.
    • Representam uma tradição de partilha e gestão comunitária.
  • Herdades (Sul):
    • Estão associadas a um sistema latifundiário que remonta ao período romano e foi consolidado durante a Reconquista e a Monarquia.
    • São um símbolo do modelo de grande propriedade privada e produção extensiva.

6. Ambiente e Ecossistema

  • Baldios (Norte):
    • Localizados em áreas de maior pluviosidade e com vegetação mais densa, incluindo florestas e pastagens.
    • Importantes para a preservação de ecossistemas florestais e montanhosos.
  • Herdades (Sul):
    • Situadas em zonas de clima mediterrânico, com paisagens de montado (sobreiros e azinheiras), campos de cereais e olivais.
    • Cruciais para a biodiversidade do sul, como o habitat de espécies ameaçadas (ex.: lince ibérico).

Resumo Comparativo

CaracterísticaBaldios (Norte)Herdades (Sul)
PropriedadeComunitáriaPrivada
GestãoAssembleia de CompartesProprietário individual
UsoPastoreio, florestas, subsistênciaAgricultura, pecuária, cortiça
DimensãoMenorMaior
LocalizaçãoMontanhas e florestasPlanícies e montado
HistóriaTradição comunitáriaSistema latifundiário

Embora ambos os sistemas sejam exemplos de gestão de terras adaptados às condições e tradições regionais, representam dois modelos opostos: um baseado na partilha comunitária e outro na propriedade privada.
A análise comparativa dos apoios europeus para a agricultura em relação aos baldios e herdades no contexto do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) e das políticas agrícolas da União Europeia revela diferenças significativas nos tipos de apoio e nas suas condições de elegibilidade. A seguir, explico como cada uma dessas formas de gestão da terra se posiciona face às ajudas europeias, com base nos objetivos e requisitos da Política Agrícola Comum (PAC).


1. Tipo de Apoios da União Europeia

A União Europeia oferece uma variedade de apoios através da PAC, com foco em subvenções diretasdesenvolvimento rural e financiamento de projetos ambientais e de sustentabilidade. Esses apoios destinam-se tanto a propriedades individuais como a modelos de gestão comunitária, mas as condições de acesso e as formas de implementação podem variar.


Apoios à Agricultura para as Herdades

As herdades, sendo propriedades privadas e muitas vezes de grande dimensão, têm acesso a uma ampla gama de apoios da PAC, especialmente nas suas componentes de pagamentos diretos e desenvolvimento rural.

  1. Pagamentos Diretos:
    • Single Payment Scheme (SPS): As herdades, enquanto propriedades privadas, podem aceder a pagamentos diretos da PAC com base na área cultivada ou em sistemas agrícolas específicos (ex: olival, vinhedos, cereais).
    • Pagamentos por áreas agrícolas sustentáveis: Proprietários de herdades podem receber apoio se implementarem práticas agrícolas que promovam a sustentabilidade ambiental, como rotação de culturas ou manutenção de paisagens de grande valor ecológico.
  2. Desenvolvimento Rural:
    • PDR (Programa de Desenvolvimento Rural): As herdades podem aceder a fundos para investimentos em infraestruturasmelhoria de práticas agrícolas ou adaptação às alterações climáticas, se implementarem práticas de agricultura sustentável e inovação.
    • Medidas agroambientais: Incentivos para a implementação de práticas ecológicas, como a agricultura de precisãouso eficiente da água ou proteção da biodiversidade nas grandes propriedades agrícolas.
    • Modernização: Apoios a projetos de modernização de equipamentos e infraestruturas que aumentem a produtividade e a sustentabilidade, como a instalação de sistemas de irrigação mais eficientes ou a utilização de tecnologias digitais na agricultura.
  3. Política de Desenvolvimento Local (LEADER):
    • Embora o programa LEADER seja mais associado a áreas rurais em geral, as herdades em regiões de baixa densidade populacional ou áreas de desenvolvimento rural podem ser elegíveis para apoiar projetos de turismo ruralvalorização de produtos locais ou conservação do património natural.

Apoios à Agricultura para os Baldios

Os baldios, sendo terrenos de uso coletivo, têm um enquadramento distinto no acesso aos apoios da PAC e, por vezes, enfrentam desafios relacionados à gestão coletiva, mas também existem apoios direcionados a projetos coletivos e de preservação ambiental.

  1. Pagamentos Diretos:
    • Pagamentos por área: Embora os baldios não sejam de propriedade privada, se a terra for utilizada para pastoreio ou cultivo sustentável, pode haver acesso a apoios, desde que as áreas de uso coletivo se qualifiquem para os pagamentos diretos.
    • No entanto, a distribuição dos pagamentos diretos em baldios pode ser complexa, pois a gestão coletiva exige a criação de entidades representativas (ex: comissões de baldios) que administrem os apoios.
  2. Desenvolvimento Rural:
    • Projetos de valorização ambiental: Os baldios podem beneficiar de ajudas para a preservação de ecossistemas e práticas ambientais sustentáveis. Como exemplo, projetos de gestão florestal sustentável ou prevenção de incêndios podem ser financiados, dada a relevância dos baldios para a biodiversidade e a gestão dos recursos naturais.
    • Medidas agroambientais: Algumas regiões onde os baldios estão situados (particularmente zonas montanhosas ou de grande valor ecológico) podem ser elegíveis para receber subsídios para a preservação da biodiversidade, a recuperação de habitats naturais e o pastoreio sustentável.
    • Agroecologia e pastoreio sustentável: Apoios específicos podem ser disponibilizados para projetos que visem o pastoreio extensivo (como o de raças autóctones) e a gestão adaptativa dos baldios.
  3. Programas de Coletividade e Parcerias:
    • Existem apoios específicos para grupos ou associações que trabalham em conjunto na gestão de baldios, como o programa LEADER. As comissões de baldios podem submeter projetos em áreas de desenvolvimento rural, conservação ambiental e promoção de atividades económicas sustentáveis nas comunidades rurais.

Principais Diferenças no Acesso aos Apoios

CritérioBaldios (Norte de Portugal)Herdades (Sul de Portugal)
Tipo de PropriedadeColetiva (gestão comunitária)Privada (individual ou familiar)
Elegibilidade para Pagamentos DiretosMais complexa, dependente da estrutura de gestão comunitáriaMais simples, baseados na área cultivada ou tipo de produção
Apoios AmbientaisApoios para conservação ambiental, florestas e pastoreio sustentávelApoios para práticas agrícolas sustentáveis e gestão de paisagens
Desenvolvimento RuralApoios para projetos de valorização do território e biodiversidadeApoios para modernização de infraestruturas e aumento de produtividade
Apoios à ModernizaçãoLimitados, mais focados em projetos ambientais e comunitáriosApoios significativos para inovação e modernização agrícola
Capacidade de ImplementaçãoDepende da organização comunitária, o que pode ser um desafioAlta capacidade de implementação devido à gestão privada

Conclusão

A principal diferença no acesso aos apoios europeus reside no modelo de gestão. As herdades, sendo propriedades privadas, têm acesso mais direto e flexível aos apoios da PAC, especialmente para pagamentos diretosdesenvolvimento rural e modernização agrícola. Já os baldios, como terras de uso comunitário, enfrentam desafios na gestão dos apoios, mas podem beneficiar de fundos direcionados à preservação ambientalgestão florestal e valorização de recursos naturais. A participação das comissões de baldios em programas coletivos e de desenvolvimento sustentável oferece uma via importante para o acesso a apoios, mas a gestão coletiva pode ser um fator limitante em comparação com a autonomia das herdades.

A análise quantitativa dos apoios europeus recebidos pelos baldios e pelas herdades em Portugal não é simples, pois depende de uma série de fatores, incluindo os tipos de projetos financiados, os regimes de apoio específicos e a distribuição geográfica dos apoios. Contudo, é possível identificar algumas tendências gerais baseadas nos dados disponíveis e nas práticas de financiamento da Política Agrícola Comum (PAC).

Fatores que Influenciam os Apoios

  1. Tamanho e Propriedade das Terras:
    • As herdades são propriedades privadas de grande dimensão, o que significa que muitas vezes recebem maiores quantidades de apoios diretos e financiamentos para modernização e desenvolvimento agrícola. Isso ocorre porque as subvenções diretas da PAC são, em parte, proporcionais à área cultivada e à produtividade da propriedade.
    • Os baldios, por serem terrenos coletivos, frequentemente enfrentam desafios na gestão de projetos e na distribuição de apoios, o que pode resultar em valores totais menores, apesar da possibilidade de apoio em áreas ambientais ou de preservação ecológica.
  2. Capacidade de Implementação:
    • As herdades têm uma estrutura organizacional mais ágil e eficiente na implementação de projetos, facilitando o acesso a apoios de modernização e inovação agrícola. Isso se reflete na obtenção de maiores valores de apoio, especialmente em áreas de infraestruturastecnologia e produtividade.
    • Os baldios, embora possam beneficiar de apoios para preservação ambiental e gestão florestalfrequentemente não têm a mesma capacidade de implementação rápida e eficaz, o que pode limitar a obtenção de valores mais elevados de apoio.

Diferenças Quantitativas de Apoios

De forma geral, as herdades tendem a receber mais apoios quantitativos do que os baldios devido aos seguintes motivos:

  1. Apoios Diretos (Pagamentos por Área):
    • As herdades têm direito aos pagamentos diretos com base na área de cultivo, o que pode resultar em valores mais elevados devido ao seu tamanho.
    • Os baldios podem receber pagamentos diretos, mas esses são limitados à área utilizada para produção agrícola ou pastoreio, e a gestão coletiva pode dificultar o acesso a esses apoios.
  2. Investimentos e Modernização:
    • As herdades podem obter maiores quantidades de apoio para investimentos em modernização, como a construção de infraestruturas agrícolas (ex: silos, instalações de irrigação, tecnologia de precisão), que são amplamente incentivados pela PAC.
    • Os baldios têm menos acesso a esses tipos de apoios, e quando o têm, é geralmente em áreas de gestão florestal ou conservação ambiental, que, embora importantes, geralmente geram menos recursos financeiros.
  3. Desenvolvimento Rural e Projetos Coletivos:
    • As herdades podem acessar programas de desenvolvimento rural para a valorização dos produtos locais e a expansão de mercados. Esses projetos podem ser mais lucrativos e gerar maiores retornos financeiros.
    • Embora os baldios possam também acessar apoios de desenvolvimento rural (principalmente através do programa LEADER), a gestão coletiva pode limitar o alcance desses apoios.

Dados Gerais

Embora os dados exatos possam variar de ano para ano e de região para região, a tendência geral, com base em relatórios de gestão de fundos da PAC, indica que as herdades privadas recebem uma porção significativamente maior de apoios financeiros. Isso ocorre devido à sua capacidade de gerar mais áreas elegíveis para pagamentos diretos e à sua maior capacidade de implementação de projetos agrícolas em grande escala.

Os baldios, por sua vez, embora desempenhem um papel fundamental na preservação ambiental e na gestão sustentável dos recursos naturais, recebem menos apoios quantitativos em comparação com as herdades, já que os projetos em baldios geralmente envolvem ações mais específicas (como conservação de paisagens e recursos naturais) que podem não gerar tantos fundos em termos absolutos.

Exemplo de Estimativas:

  • Herdades: Grandes propriedades agrícolas podem receber milhões de euros em apoios diretos e investimentos de modernização através da PAC, especialmente nas áreas de oliviculturaviti-vinicultura, e pecuária.
  • Baldios: A gestão comunitária limita a quantidade de apoios recebidos por baldio individualmente, com valores em média mais baixos. No entanto, existem exceções, especialmente quando se trata de projetos ambientais e florestais, onde os apoios podem ser significativos, mas ainda assim, em menor escala.

Conclusão

Em termos quantitativos, as herdades provavelmente recebem mais apoios do que os baldios, principalmente devido ao tamanho das propriedades, à capacidade de implementação de projetos em grande escala e ao acesso facilitado aos pagamentos diretos e investimentos em modernização. Os baldios, embora importantes para a gestão ambiental e a preservação dos recursos naturais, enfrentam desafios administrativos e estruturais que dificultam o acesso a apoios financeiros em grande escala, o que resulta em valores totais de apoios menores.